segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Ah, Vida...

A vida é aquela Polaroid
que tirou a foto borrada
e não tem mais tinta
pra pegar outro ângulo.
É o carro que morreu na estrada
muito deserta, pouco asfaltada
lá na divisa de Rio Branco.
A vida é aquela mala
que a gente esquece em casa
junto com o passaporte
pra trocar de vida.
É também aquela mala
aquela senhora, a tia Rita
que sempre quer ensinar
que sabe mais que a gente... sobre a vida.
É aquele beijo
que você deixa de dar
vem outro e beija no teu lugar
e casa com a menina.
Ah, vida...
ela tem dessas
de ser o que você não gosta
de tirar o que você gosta
e de fazer o que ela quiser.

terça-feira, 28 de outubro de 2014

Tarde


Pra que a pressa? Não são nem seis horas...
Será que chove? É você quem faz as apostas.
É sério, tá cedo. Não vá embora.

Pra que tirar fora? Deixa as bochechas aí.
É pedir demais? Mais um abraço antes de partir?
É sério, mais um. Pra agora.

Pra que brigar? Depois isso passa...
Mais uma piada? Quem sabe tem graça.
Era sério. Agora já pode rir.

Pra que a pressa? O sinal tá vermelho.
O que eu faço? Me dá um conselho.
Eu pego esse ônibus ou espero o próximo?

terça-feira, 26 de agosto de 2014

Well-known Pleasures

O rapaz refletia sobre os pequenos prazeres da vida, os quais ele tivera a chance de vivenciar naquele ano - as danças desajeitadas, os sorrisos tortos e as pequenas injeções de felicidade.
Por um momento, ele ficou triste. Sentia que estava navegando em alto mar, em meio à tempestade, embarcado em um barquinho de papel, cheio de furos e remendas. Ele sabia que afundaria a qualquer momento.
Correu então para o convés da sua mente, pegou o telefone e tentou ligar em busca de socorro. Ele reconheceu a voz moça que estava do outro lado da linha, mas ela o colocou em espera. E o rapaz esperou. O barquinho chacoalhava, mas ele segurava firme ao telefone, assim como ele teria segurado em um colete salva-vidas. Enquanto não ouvia nenhuma resposta, estalava todos os seus dedos e se lembrava de outros pequenos prazeres da vida - as apostas bobas, as piadas ruins e os abraços longos.
 - Alô? - atendeu a moça, encerrando a árdua espera.
 - Eu preciso da sua ajuda! - suplicou o rapaz. - Meu barquinho está prestes à afundar!
 - Olha... - respondeu a moça, um pouco tímida. - Eu sinto muito, mas barquinhos não são mais a minha especialidade. Eu não posso te ajudar.
Assim que a ligação caiu, o rapaz ficou em silêncio. Fechou os olhos e lembrou de todos os bons momentos que vivera até ali. Lembrou dos rodopios daquele vestido florido. Lembrou daquele vai e volta. Lembrou das canções que acompanharam as danças incompletas. Conforme a tempestade ia se acalmando lá fora, ele foi lembrando do seu último e mais bem conhecido prazer: sempre continuar à navegar com o seu barquinho.

domingo, 3 de agosto de 2014

Miopia

Eu mal enxergo um palmo à minha frente,
mas insisto em ver um futuro pra gente.
Eu tento decifrar as letras miúdas no rodapé,
mas é tão difícil quanto tentar te entender...
Nos entender.
Eu coloco meus óculos, mas enxergo os teus erros.
Eu tiro os meus óculos e só vejo você.
Agradeço a minha miopia.

sábado, 12 de abril de 2014

Banquete

Eu fiz do amor o meu banquete
algumas coisas digeri bem - outras, nem comi.
Eu já experimentei os mesmos pratos
mas eles sempre tinham gostos diferentes.
Eu já engasguei com o prato principal
e outras vezes tive azia.
Eu já tive a maior fome do mundo
e outras vezes, nem comer eu queria.
Eu já quebrei a mesa
já puxei o pano
já tentei entrar na dieta...
Mas eu sempre desisto.
Eu sempre volto ao meu lugar
seguro os meus talheres
e torço para que o cozinheiro
tenha acertado no tempero dessa vez.

sábado, 22 de março de 2014

Dois Tipos De Felicidade

Nossa felicidade é cara demais pra comprar,
desuniforme o bastante pra trocar,
ansiosa demais pra esperar.
Vez ou outra a gente aluga, doa um pouco,
mas ela não aguenta muito tempo:
é frágil demais pra durar.
Essa mesma felicidade estampa meu rosto pela manhã
e se esconde debaixo da cama ao anoitecer,
tem medo não sei de quê.
Quando a felicidade vem me visitar
eu corro pra trancar a porta
porque eu sei que, se ela for embora
vai ter que passar por cima de mim.